Apesar do famoso “independência ou morte” gritado por Dom Pedro I em 7 de setembro de 1822, foi só nove meses depois, em 1823, que as últimas resistências portuguesas foram expulsas do país pelos baianos. A vitória é celebrada anualmente no dia Dois de Julho, data que marca a Independência do Brasil na Bahia.
O feito dos baianos é narrado no Hino ao Dois de Julho, cuja letra foi composta pelo militar Ladislau dos Santos Titára e musicada por José dos Santos Barreto.
mestre em História pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e professor da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), Rodrigo Lopes, sobre as simbologias por trás do Hino ao Dois de Julho. Ele explica que a música enaltece a participação popular na resistência brasileira.
“É um hino muito mais sincero do que o nosso hino oficial, porque ele realemnete descreve o que aconteceu na Bahia. Ele legitima a participação popular, é bonito e deveria ser conhecido em todo Brasil”.
Nesta reportagem, você vai entender, estrofe por estrofe, o que é retratado no hino. Confira:
🎵 “Nasce o Sol a dois de julho
Brilha mais que no primeiro
É sinal que neste dia
Até o Sol, até o Sol é brasileiro”
Era madrugada do dia 2 de julho de 1823 quando a esquadra portuguesa fugia pela Baía de Todos-os-Santos em mais de 80 navios. Quando o dia amanheceu, os soteropolitanos viram que as embarcações já estavam distantes no oceano.
Cabocla é levada no inicio do trajeto da Lapinha, em comemoração ao 2 de Julho — Foto: Malu Vieira/g1 BA
Cabocla é levada no inicio do trajeto da Lapinha, em comemoração ao 2 de Julho — Foto: Malu Vieira/g1 BA
Ou seja, o sol do 2 de julho brilha mais do que o sol de 1º de julho, porque é o primeiro dia de liberdade dos brasileiros.
“O sol é brasileiro e não baiano, porque a Bahia era o último baluarte português no Brasil. Nossa independência já havia sido proclamada nove meses antes, mas o Brasil não era completamente independente”, pontuou o professor.
🎵 “Nunca mais, nunca mais o despotismo
Regerá, regerá nossas ações
Com tiranos não combinam
Brasileiros, brasileiros corações”
De acordo com Rodrigo Lopes, essa estrofe faz referência direta a Inácio Luís Madeira de Melo, militar português que comandou as tropas portuguesas assediadas em Salvador nos combates da Guerra da Independência da Bahia.
O militar foi enviado pela Coroa Portuguesa para ser o comandante das armas no estado. Ele tinha uma carta supostamente escrita pelo rei, mas o material não foi aceito de primeira pelos militares, nem pelos vereadores da Câmara de Salvador.
“Essa carta foi colocada em suspensão por vários motivos: ela não foi apresentada imediatamente e estava em péssimas condições. As autoridades não a aceitaram de imediato e Madeira de Melo se impôs”.
Com a ajuda de militares portugueses, Madeira de Melo atacou os soldados brasileiros e a cidade virou um palco de guerra. O “despotismo” e “tirania” citados na letra estão relacionados a esse comportamento.
🎵 “Cresce, ó filho de minh’alma
Para a Pátria defender
O Brasil já tem jurado
Independência, independência ou morrer”
A Bahia não tinha uma quantidade de soldados profissionais suficiente para lidar com as tropas portuguesas. Assim, a população decidiu participar ativamente da luta.
O “filho de minh’alma” é o povo baiano, as pessoas comuns que lutaram pela independência. A resistência era composta por escravizados, senhores de engenho, vaqueiros, pequenos agricultores e mais. No desfile cívico, a imagem da cabocla e do caboclo simbolizam a conexão entre as personalidades históricas e as origens do povo baiano.
“Isso legitima o que aconteceu na Bahia, que é diferente do que aconteceu em qualquer outro lugar do Brasil. Aqui houve uma participação popular maciça”, afirmou.
Já o verso “o Brasil já tem jurado”, faz referência a Dom Pedro, que já havia proclamado a independência do Brasil nove meses antes, nas margens do Rio Ipiranga. “Independência ou morrer” foram justamente as palavras dele neste momento.
🎵 “Salve, ó rei das campinas
De Cabrito a Pirajá
Nossa pátria, hoje livre
Dos tiranos, dos tiranos não será”
A última estrofe do Hino ao Dois de Julho cita dois locais onde foram travadas batalhas pela independência do Brasil na Bahia: Cabrito e Pirajá, que atualmente são bairros em Salvador.
Segundo o professor, as duas localidades ficavam dentro da Fazenda Campinas, que se estendia do atual bairro da Lapinha até o limite com o município de Simões FIlho — aproximadamente 26 km de extensão. Na região, havia rebanhos de gado, pequenas povoações e uma casa de armas para a fabricação de pólvora.
Uma das batalhas mais famosas aconteceu em Pirajá, quando o cabo Luiz Lopes, conhecido historicamente como Corneteiro Lopes, desobedeceu o comandante das tropas brasileiras e soou a corneta para os oficiais avançarem contra os portugueses.
O verso “nossa pátria hoje livre” reforça a independência do Brasil, já que após o dia 2 de julho de 1823 nenhuma província brasileira permaneceu sob controle por portugueses.
“O Brasil não era independente até a Bahia se tornar independente. Enquanto houvesse uma província controlada por portugueses, Dom Pedro poderia gritar “independência ou morte” mil vezes, mas não seria independente”, ressaltou.
G1