Um legado eterno. Para um clube de futebol, todos os títulos são importantes. Vencer é a premissa principal para que um jogador ou elenco garanta uma passagem marcante pela equipe. O que dizer, então, do grupo de jogadores que ganharam o primeiro título brasileiro de uma das instituições mais tradicionais do país?
É nessa toada que os atletas integrantes do grupo que foi campeão nacional em 1959 são considerados verdadeiros heróis. De lá pra cá, são 64 anos de uma conquista que influenciou gerações e foi crucial para estabelecer o Tricolor como potência.
O tempo, no entanto, é implacável e atinge, é claro, também os ídolos da bola. No último domingo, Henrique dos Santos, conhecido como Henricão, faleceu no Rio de Janeiro. O zagueiro era o último remanescente vivo campeão da Taça Brasil de 1959.
Aos 89 anos, ele sofria do Mal de Alzheimer e teve complicações cardíacas. A causa do óbito foi miocardiopatia. Em quase nove décadas, o beque dedicou 11 temporadas e 590 jogos com a camisa azul, vermelha e branca.
Exemplo
Embora fosse defensor, Henricão contrariava o estereótipo de agressividade e explosão exagerada. Não apenas em campo, como também no convívio diário. “Na cerimônia de celebração da morte dele, até brincamos perguntando quem já havia visto meu pai insurgir de maneira raivosa contra algo. Não existe”, afirma Carlos Henrique, filho do herói.
“Meu pai fez dois pênaltis em toda a carreira. Ele era firme, mas não era violento. Não há relatos de envolvimento dele com violência dentro de campo. Uma vez apenas, Nestor Mendes, historiador do Bahia, me contou que ele correu atrás de um adversário”, lembra.
Visto como agregador e contemporizador, era fã incondicional do diálogo. Antes de ser um jogador de futebol que participou ativamente de uma brilhante campanha, coroada com o triunfo sobre o Santos de Pelé em seu auge, ele era bom pai, amigo, tio e vizinho.
Dentro da sua família, a resposta é unânime: o ex-zagueiro foi um grande jogador, mas uma pessoa ainda melhor. “O maior exemplo que ele deixou foi o comportamento humano, que era contagiante”, prossegue Carlos.
“Ele era muito boa-praça. Estava sempre de bom humor e gostava muito de festejar as pequenas coisas da vida. Sempre havia motivo para reunir pessoas”, descreve Maynah Faria, neta do ex-atleta. “Henrique viveu com plenitude. Sempre destacava que aproveitou todas as idades”, completa.
Já mais velho, Henricão precisou contar com ajuda de familiares em necessidades rotineiras, como sentar. Para sua neta, ajudar seu avô idoso nada mais era do que uma forma de agradecer por tudo que lhe foi concedido. “Quando ele ia me agradecer, dizia ‘Deus lhe pague’, e eu sempre respondia que já tinha sido paga pelo grande vozão que ele foi pra mim”, conclui.
‘Gigante de Ébano’
Carioca nascido no bairro do Méier, Henricão era um contador de histórias nato. Aos seus próximos, gostava de falar sobre o que viveu, falar sobre os lugares que conheceu . “Todos sentavam ao redor para ouvir. Gostava de contar que o local preferido dele era Paris, na França”, afirma Carlos.
Para alguém que gostava de viajar, sua história sempre contou com situações do tipo. Ele participou, por exemplo, das excursões do Bahia ao exterior em 1957 e 1960, dos jogos pela Libertadores da América em 1960 e 1964, e do Torneio Internacional de Nova York, também em 1964.
Com quase dois metros, recebeu do radialista baiano Carlos Lima o apelido de ‘Gigante de Ébano’. O zagueiro, referência na defesa do Tricolor, é muito conhecido pela Taça Brasil de 59, mas também acumula outros feitos com o manto do Esquadrão de Aço. Foi vice brasileiro em 1961 e 1963, além de ter sido campeão estadual de 1958 a 1962, no primeiro pentacampeonato da história do club.
Último dos heróis de 59 a falecer, Henricão finaliza a passagem pela Terra do histórico e lendário elenco que ousou sonhar e conquistar o Brasil. Agora, o grupo de atletas que inspira os jovens torcedores do Bahia está junto no céu.
Fonte: A Tarde – Foto: Reprodução | Youtube